quinta-feira, 7 de julho de 2016

O Brasil de Inclassificáveis por Ney Matogrosso


Brasil Inclassificável por Ney
A música Inclassificáveis foi composta e gravada por Arnaldo Antunes no ano de 1996 para o álbum O Silêncio e contava a participação de Chico Science, expoente da música nordestina de qualidade excepcional na época e que trata de um tema muito pouco conhecido por todos nós: a formação do povo brasileiro como um todo. Inclassificáveis traz a tona na seara musical a fenda dos olhos das pessoas perante o Socialismo, a Antropologia e a diferenciação de suas raças. Para inicio de conversa, não estamos falando de coisas fáceis: cantar Arnaldo Antunes já é uma tarefa dificil e seus pensamentos com relação àquilo que o rodeia é uma relação de complexidade muito maior que sua própria imginação conduz. Tendo como crítica clássica sobre um tema tão pouco minado no Brasil (Clara Nunes já vinha com essa miscegenação de raças em sua carreira na década de 1970), Arnaldo apenas reforçou um assunto subliminar sobre aquilo que sabemos que existe, mas que ninguém tem na consciência privada de que é importante para detectarmos quem realmente somos e sobre nossa própria origem, revelando nossos antepassados. Quando foi lançada, a música na voz de Arnaldo e Science não rendeu tantas promessas musicais, mas quando Ney Matogrosso e sua força teatral a cantou no excelente álbum que leva o título da canção, as pessoas pararam e refletiram: de onde é que viemos? Porém, Ney Matogroso não entrou na onda de ser um sociólogo da música popular brasileira: ele mesclou essa canção antropológica de Arnaldo com canções políticas de Cazuza,  Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil com o romantismo lírico de Itamar Assunpção e com os versos de peso moderado de Carlos Careqa e Pedro Luis. Óbvio que Inclassificáveis teve um peso muito maior neste álbum, pois a música não tem fácil articulação vocal e cantar da forma perfeita com a qual Ney canta a transformou em uma das melhores faixas do disco. Inclassificáveis (2008 / EMI / 28,99) é um disco completo, com uma capa perfeita e que traz um Ney Matogrosso ainda mais vigoroso dentro de sua arte, dentro de seu universo e dentro de suas conquistas.  Arnaldo Antunes compôs Inclassificáveis em um nível muito acima de sua intelectualidade: aqui ele trabalha com neologismos e construções harmônicas de modo a formar uma verdadeira coberta de tiras etno-culturais que formam a analogia do povo brasileiro, interrogando a todo momento a matriz exemplar desse povo (índio, branco e negro), indo direto ao ponto nevrálgico de novas formações culturais, como o mulato, o cafuzo e o mameluco. A partir dessas mesclagens surgem os crilouros, tupinamblocos, guaranisseis, ciganagôs e judárabes.  Somos brasileiros inclassificáveis, pois somos frutos de nossa combinação racial secular. Assim como enfatizou Arnaldo cantado brilhantemente por Ney, aqui não tem cor, tem cores. Ao analisar o disco inteiro de Ney Matogrosso e refletir basicamente o que uma canção tem a ver com a outra, entre socialismo, antropologia, política e romantismo, posso atestar que vivemos em um Brasil inclassificável.

 

Inclassificáveis (2008) / Ney Matogrosso
Nota 10
Marcelo Teixeira

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