quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

O crítico de música e o crítico clichê: as nuances musicais


Existe crítico verdadeiro?
Sibelius (1865 – 1957) um dia disse: não devemos dar demasiada atenção ao que os críticos dizem. Nunca foi erguida uma estátua em honra de um crítico. Discordando da frase do compositor filândes de música erudita, mas acreditando sumariamente que não é preciso de estátua para criticar algo ensaísticamente, acredito na liberdade de imprensa para poder escrever aquilo que bem quiser em um blog totalmente independente, estando liberto das agruras dominadoras de patrões e chefes alienados com o pudor de escrever corretamente sobre determinado cantor ou cantora, sobre seus discos e sobre suas atemporalidades.  Talvez Sibelius soubesse que sua música erudita não atraía multidões e acreditando em sua impopularidade mundo afora, tenha creditado que os críticos de música o criticavam veementemente. Criticavam sua música e não sua pessoa – arrogante, feroz, atroz, mas intelectual, culto e refinado.  Acredito na significativa despudorada de poder resenhar tal artista com as minhas próprias palavras, marca característica e herdada de uma forma natural e que angaria um semblante favorável à minha pessoa. E acredito, piamente, que o mundo precisa de críticos de música com mais verdade, com mais ideal, com mais frescor, com mais tinta, com mais austeridade, com mais postura, com mais crítica. Gustave Flaubert (1821 – 1880), esritor francês de personalidade psicológica marcante, disse faz-se crítica quando não se pode fazer arte. Concordo plenamente com a frase de Flaubert, mas o que seria de nós, críticos de arte, se também fossemos artistas de artes como a música ou a dramaturgia? Quem poderia nos criticar? O público é leigo no assunto criticidade e quando o fazem, não conseguem discernir o que é capaz de ser criticado daquilo que pode ser uma solução para a crítica. Acima de qualquer coisa, sou um crítico que critica o que precisa ser criticado. Sou um ensaísta, um cronista, um escritor que escreve sobre aquilo que realmente precisa ser escrito. Não procuro aquilo que deve necessariamente estar postado e prostrado no meu mural: eu escrevo conforme meu tempo, sem a necessidade sumária de preencher a alegria de patrões, de gravadoras, de artistas. Não sou pago para escrever aquilo que não acho legal e não sou pago para elogiar um artista só porque está na mídia. Artistas precisam ser criticados, assim como seus discos precisam de notas avaliativas para estarem no crivo de uma sensata resenha. Escrevo sobre música porque gosto, porque aprecio e porque sinto a necessidade ulterior de divulgar a nossa música popular brasileira ao outro. Não preciso escrever sobre o cantor da modinha, não preciso exaltar a cantora que lançou um disco mediano apenas para dizer que sou antenado com a música. A música está jorrada aos quatro ventos e a cada dia nasce uma cantora nova, um cantor novo. Mas não preciso, categoricamente afirmo, me humilhar para escrever aquilo que acho desnecessário. Existe um milhão de artistas que não merecem sequer uma crítica negativa, assim como existe uma infinidade de artistas que vivem enclausurados para um seleto grupo de seguidores e é sobre esses artistas que gosto de resenhar: seja o artista de beco, seja o artista consagrado, seja o artista popular, seja o artista impopular, seja o artista ruim, seja o artista bom, seja o artista da grande mídia ou seja o artista de pequena mídia, eu escrevo para que o meu leitor tenha ciência de que existe uma seleção de achados e perdidos espalhados por aí que precisam ser (re) conhecidos para um devaneio de musicalidade. O verdadeiro crítico de música não busca apenas palavras confortantes para agradar ao artista, mas busca na sua interpretação, no seu projeto, no seu propósito aquilo que está escondido por trás de cada música. Não julgo o disco pela capa, não julgo o artista pela voz, não julgo o artista pela roupa, não julgo o artista por outrora: julgo o conjunto da obra, incluindo aqui a capa, o artista, a voz, a roupa, o que ele representou no passado. O bom crítico de música sabe reconhecer que o disco X foi merecedor de nota alta enquanto o disco Z é merecedor de uma nota mais baixa: saber reconhecer isso é o mínimo de todo e bom crítico de música. Não podemos nos vender por tão pouco, como vejo outros críticos se rendendo ao brasão da empresa em que trabalham. Sejamos mais humanos. Sejamos mais realistas. Sejamos mais críticos de música verdadeiramente honrados em criticar com gosto, com vontade, com verdade. A música agradece. A escrita agradece. O leitor agradece.  Fechando com a bela frase do mágico californiano Channing Pollock (1926 – 2006) um crítico é um homem sem pernas que ensina a correr. Que venha 2017!

 

O crítico de música e o crítico cliclê: as nuances musicais.
Por Marcelo Teixeira

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Chico Buarque de Hollanda Volume 1 - 50 anos depois


Chico e o primeiro LP: 1966 - 2016
Bastaram as canções que já havia composto durante a primeira metade dos anos de 1960 para que Chico Buarque recheasse Chico Buarque de Hollanda (1966 / RGE / 26,99), seu primeiro disco, lançado em dezembro de 1966. Fora isso, ainda sobraram duas músicas para o álbum seguinte. Essas composições iniciais vêm carregadas de um lirismo nostálgico e de uma riqueza poética que, logo de cara, caíram nas graças do público e de boa parte da crítica. A faixa A Banda, que pouco antes vencera o II Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, tornou-se um hit instântaneo, uma mania nacional cantada em cada canto do Brasil por gente de todas as idades. O disco de fato é fundamental em qualquer antologia da moderna MPB e suas músicas, dotadas de recursos poéticos inovadores para a época e de extrema originalidade melódica, colocam o samba urbano num novo e elevadíssimo patamar de qualidade. Chico Buarque tinha apenas 20 anos e uma timidez ainda não muito bem equacionada, um rosto juvenil, iluminado por olhos de um verde transparente. Ainda não tivera a chance de conhecer a mulher de sua vida (este artigo será postado em 2017), mas ele sabia de sua importância dentro dos festivais que assolavam o país de canto a canto. A Banda, interpretada por ele e Nara Leão, conquistou o primeiro lugar em Outubro de 1966, dividindo o lugar com Disparada, de autoria de Theo de Barros e Geraldo Vandré, magnificamente defendida e interpretada por Jair Rodrigues, que logo mais seria parceiro e amigo de Elis Regina no programa O Fino da Bossa. A Banda rendeu a Chico Buarque o status de cantor do ano, o intelectual do momento e vários artistas voltaram suas atenções para aquele rapazinho timido. Carlos Drummond de Andrade, o poeta mais respeitado de todos os tempos, soltou a pérola frase que venha outra banda. Nada mal para um novato nos palcos. A Banda rendeu ainda a Chico seu primeiro programa na TV brasileira, chamado Pra Ver a Banda Passar, em dupla com Nara Leão. A timidez de ambos era tanta que Manoel Carlos lhes sapecou o título de os maiores desanimadores de auditório da televisão brasileira.  O disco lançado em 1966 vendeu pouco mais de 100 mil cópias, um feito e tanto para a época e a causa desse sucesso estrondoso de fato fora a intepretação de dois cantores que tinham a sintonia em primeiro plano. A Banda é um divisor de águas na vida e na carreira de Chico Buarque e dali em diante nenhum dos dois, Chico e Nara, jamais seriam os mesmos. O mesmo se aplica para a MPB e, de certa forma, para o próprio Brasil.

Chico Buarque de Hollanda 1, como ficaria conhecido o disco, foi produzido apenas com o estoque de boas canções que Chico já havia composto. Praticamente todas as suas faixas têm em comum um lirismo nostálgico e comovente. Muito mais que isso, o disco eleva a tradição do samba urbano a um novo patamar poético. As letras, além de originais, têm uma arquitetura musical primorosa. O compositor, de certo modo, resgata a tradição dos melhores letristas cariocas, como Noel Rosa e Wilson Btista e tempera-a com ingredientes da Bossa Nova. Chico venerava esse movimento e seus expoentes – em especial João Gilberto, com que sua irmã, Miúcha, se casou um ano antes. Mas logo se esquivou da bossa nova e desenvolveu o seu próprio estilo. O samba, aqui neste disco, não só é um ritmo: é um tema recorrente que pode ser avordado por uma ótica melancólica, como em Sonho de Um Carnaval, que o cantor e compositor paraibano Geraldo Vandré interpretou para Chico no I Festival da Record. O efusivo Meu Refrão e o socialmente engajado Tem Mais Samba são obras-primas relicárias e Chico considera esta última, composta em 1964, o marco-zero de sua carreira. A tocante Olé Olá, outra joia do disco, é um samba-canção carregado de saudosismo e desconforto, dotado de uma harmonia sofisticadíssima. Fora nesse tempo que Caetano Veloso conhecera Chico Buarque em 1965, enquanto o carioca cantava trechos de Olé Olá (cantado mais tarde por Maria Bethânia) no teatro e disse à época que tinha conhecido um cara que era a coisa mais linda.

Em Chico Buarque de Hollanda 1 a leveza e a alegria ficam por conta de três composições, curiosamente todas batizadas com nomes próprios: Juca, A Rita e Madalena Foi pro Mar. A primeira, quase um samba de breque, foi composta após a polícia ter sido chamada ao bar em que Chico e seus amigos se entregavam à cantoria sem muita atenção aos decibéis. Essas noitadas musicais em São Paulo foram sistematicamente batizadas de sambafos. A Rita é um bem humurado samba-canção que exalta a capacidade das mulheres de devastar corações masculinos. Madalena Foi pro Mar é outro lamento quase debochado de um homem deixado na mão por sua amada. De todas essas, A Rita ganhou diversas regravações, sendo a mais importante defendida por Gal Costa.

Nenhuma dessas canções, no entanto, sequer se aproxima do alvoroço e sucesso desencandeados por A Banda: com sua irresistível doçra, ela cativou o público, conquistou a crítica e transformou em fãs de Chico mesmo os espíritos mais avessos a sua figura.  Um desses espíritos era o genioso escritor, dramaturgo e cronista esportivo carioca Nelson Rodrigues, cujos comentários e tiradas mordazes eram temidos tanto por craques dos gramados quanto dos palcos. Mas Nelson gostou tanto de Chico e, em especial da música, que disse em artigo que A Banda era uma marchinha genial.

E lá se completa 50 anos do lançamento do antológico disco Chico Buarque de Hollanda 1, disco que praticamente nasceu pronto, sem redomas e com certa timidez, carregado na sobriedade de um Chico Buarque novinho em folha e acompanhado de uma grande cantora que o inspirara a vencer o primeiro grande desafio: Nara Leão.

 

Chico Buarque de Hollanda Volume 1 – 50 anos depois
Por Marcelo Teixeira

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

O ostracismo anunciado de Sandy


Sandy e o ostracismo musical
E lá se vai 2016 e nada de Sandy produzir um disco a sua altura. Talvez seja uma tarefa difícil, talvez seja uma tarefa de se repensar em sua trajetória de vida artística e colocar em plano um disco verdadeiramente autoral e brasileiro, sem esses lances de ser piegamente americanizada. Sandy é uma cantora de excelente qualidade, mas se perdeu em nuances nada estratégicos ao se desfazer da dupla com seu irmão. Óbvio  que nada dura para sempre e seria extremamente estranho ver Sandy e Junior cantando músicas romantizadas com teor adolescente e clichê adulto para uma plateia que os viram crescer.  Em 2011 anunciei aqui no Mais Cultura Brasileira que Sandy enfrentaria um ostracismo gigantesco em tempo recorde e fui abatido com espinafradas generalizadas por todos os cantos do país, de fãs exaltados pela minha escrita e até de amigos enfurecidos com o teor da minha resenha. Entre 2011 e 2016 a cantora não produziu nada de significação extremamente extraordinária para o campo musical e nem angariou fãs pela estrada afora. Pelo contrário: neutralizou esses fãs e gravou um disco aqui e outro acolá, mas com a mesma superficialidade de sempre. Contraiu o distanciamento de pessoas que seguiam seu trabalho e marcou definitivamente seu nome no mundo dos cantores em decadência excessiva. Sandy, reitero, é uma boa cantora, tem talento e tem voz, mas ultimamente lhe falta o essencial: carisma. Com o nascimento de seu filho, a cantora passou a ter uma atitude incoerente com relação ao mundo que a cerca e passou a se sentir perseguida por algo que parece que estava a incomodando. Ainda que seja fácil o seu retorno triunfal ao mundo do showbizz, a cantora precisará utilizar um recurso muito válido para artistas que enfrentam esse frama – o ostracismo do ostracismo. Sandy não chegou a inda no que chamo de o segundo ostracismo, que é aquele que ninguém mais comenta ou lembra do artista, mas poderá facilmente chegar nele se continuar com uma postura impiedosa para os dias de hoje. Sandy não conseguiu encontrar a realidade fora de seu globo blindado e insiste em ser a meninina nobre e boa de família, que segue a risco os tradicionais calendários anuais e que foge de todo e qulquer resquício de bombardeio. É preciso uma mudança radical em seu mundo para que a cantora seja novamente a queridinha de dez entre dez fãs. O mundo da música mudou, a história mudou, as cantoras mudaram, mas Sandy continua com o ar de se mostrar verdadeiramente prolixa para o seu público e para aqueles que estão iniciando em sua jornada. Enquanto Sandy prefere enfrentar o ostracismo decalarado, sua inimiga musical sopra de vento em pompa em seu universo. Refiro-me a cópia quase perfeita de Sandy, a cantora adolescente Manu Gavassi.

O ostracismo anunciado de Sandy
Por Marcelo Teixeira

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Nara Leão - a musa da bossa nova?

Nara: musa da bossa nova?
Nove entre dez pessoas acreditam que a bossa nova começou no apartamento de Nara Leão, no Posto 4 de Copacabana, em alguma época dos anos de 1950. A ideia e a de que, naquele mítico endereço, todas as noites se reuniam rapazes e moças que, armados com seus violões, brincavam de cantar e tocar baixinho para não incomodar os vizinhos. Isso, óbvio, ia até altas horas e foi a partir desses encontros que surgiu o estilo suave e sofisticado que iria revolucionar a música popular brasileira que perpetua até hoje.  Esses rapazes e moças seriam, além da própria Nara, os violonistas Carlos Lyra, Roberto Menescal e Chico Feitosa, o violonista e pianista Oscar Castro Neves e os irmãos Mario, Leo e Iko, também músicos, o letrista e repórter Ronaldo Bôscoli, o pianistas Luiz Eça e Luiz Carlos Vinhas, o flautista Bebeto Catilho, entre outros. Porém, Nara nunca admitiu que o estilo bossanovista tivesse nascido em seu apartamento. Por um lado ela tinha razão, em partes, sobre o assunto, mas o fato é que se não fosse o encontro desses cantores em seu apartamento, nada teria acontecido. Podemos dizer que Nara Leão fora a responsável por esses encontros e por ser, digamos, a mãe nata da Bossa Nova. Em 1957, Roberto Menescal, outro grande responsável pelo feito, levou ninguém menos que João Gilberto, que acabara de conhecer, ao apartamento de Nara. João ficou encantado com aquelas reuniões, mas seu estilo era ainda mais contido e reservado no cantar, o que deixou os outros músicos ainda mais encantados não apenas por ele como pela música. Tudo era moderno, atrevido, inesperado e uma batida levemente ágil, sincopada e nova começava a nascer, diferentemente de tudo o que se ouvira até então. E Nara, a única mulher, era o centro das atenções. Nara era a grande inspiração, a musa da bossa nova e a responsável pela gravação de inúmeros sucessos desses cantores. Como muher, a cantora era também uma sedução, pois era morena, tinha lábios cheios e carnudos, dentes grandes, corpo bonito e era muito tímida. É impossível pensar em bossa nova e não falarmos em Nara Leão, cantora que conseguiu exprimir o verdadeiro sentimento deste estilo que ultrapassou barreiras, fronteiras, ganhou o mundo e é por esse motivo que devemos muito respeito a imagem e à obra desta grande cantora da música popular brasileira e de sua suma importância em nosso cenário cultural.

Nara Leão
Por Marcelo Teixeira

sábado, 3 de dezembro de 2016

Os encontros e as despedidas de Milton Nascimento


A mudança de Milton em 1985
Os anos de 1984 e 1985 foram especialmente intensos para Milton Nascimento. Além de entrar de corpo e alma na campanha pelas eleições diretas para presidente, chegando a compor duas músicas – Coração de Estudante e Menestrel das Alagoas – que seriam cantadas em todos os comícios em praça pública, transformando-se em verdadeiros hinos de liberdade, Milton curou a decepção pela derrota da emenda das diretas no Congresso Nacional com o apoio à candidatura de Tancredo Neves à presidência. Abalado com a morte de Tancredo e vendo o país chorar a morte de seu filho querido, Milton resolvera mudar os ares de sua vida por completo: além de se mudar de Belo Horizonte para Rio de Janeiro, ele já se sentia mais confortável como pessoa e artista, pois era mais valorizado  e respeitado por dentre entre dez artistas mundiais. Por esse mesmo motivo, o cantor e compositor carioca sentiu-se à vontade para fazer o que bem quisesse no ano de 1985 e, para seu bel-prazer, inpirou-se em seus sentimentalismos para desfilar um fiandeiro de músicas emotivas e sensatas para o belo disco Encontros e Despedidas (1985 / Phillips) 19,00), que tem uma ancestralidade e uma africanidade incrível. No início de carreira, Milton assinou a melodia, mas também as letras de várias canções – Canção do Sol e Morro Velho talvez sejam os melhores exemplos de seu talento como letrista. À medida que foi encontrando os parceiros certos, porém, o cantor passou a se concentrar na elaboração das frases musicais, abrindo espaço para que seus amigos Márcio Borges, Fernando Brant e Ronaldo Bastos participassem ativamente de sua obra. Escolhia o parceiro para cada música, determinava o tema, dava palpites e logo voltava-se à criação de novas composições. Era a efervescência de Milton Nascimento dando nova roupagem à sua carreira a partir de 1985. No disco Encontros e Despedidas, o cantor quebrou a regra de todo um protocolo artistíco: as 12 músicas deste álbum foram feitas por Milton com a participação de sete parceiros diferentes e em sete faixas Milton aparece não como autor das melodias, mas o autor das letras. Não chega a ser um disco fácil de ser ouvido, porque Milton utiliza de um artíficio que nos impede de contermos a emoção em faixas como a homenagem à Mandela (Lágrimas do Sul), a africanidade em Raça, a participação forte e vibrante de Clara Sandroni em A Primeira Estrela e na própria canção-título do disco. Nascia aqui um novo Bituca, mais autêntico e mais forte do que nunca.

 

Encontros e Despedidas (1985) / Milton Nascimento
Nota 10
Por Marcelo Teixeira

sábado, 26 de novembro de 2016

Entrevista com Virgínia Rosa


Virgínia Rosa: a entrevistada
Não é fácil ser Virgínia Rosa¹: além de dar vida à papéis importantes tanto na TV como no teatro, a cantora conseguiu uma brecha em sua agenda para receber o Mais Cultura Brasileira e nos brindar com sua simpatia e cordialidade para nos falar sobre sua história musical e seus planos futuros. Seus trabalhos são expressivos e marcantes, como a Dora, a mãe protetora da personagem de Camilia Pitanga na novela Babilônia – 2015; uma das mulheres retratadas em música na peça Palavra de Mulher – 2011 até o momento; faz uma bela homenagem à Carmen Miranda no musical Na Batucada da Vida – 2009 até o momento e Dona Zica em Cartola, O Mundo é um Moinho – 2016. Cantou Monsueto com brilhantismo total, dividiu vocal com inúmeros artistas conceituados e hoje reina absoluta com uma carreira sólida que conquistou aos poucos. De Itamar Assumpção passando por Cartola e Clara Nunes,  a cantora nos conta suas preferências, suas inspirações e sua paixão musical. Elogiada por dez entre dez estrelas do nosso cenário artístico, Virgínia é uma artista humilde, que tem sempre o sorriso largo no rosto e que nos cativa com seu canto, seu olhar e sua voz poderosa, impactante e emocionante. Nestes cinco anos de escrita homérica sobre a música nacional, tenho o prazer e a felicidade de poder entrevistar uma das cantoras que estava namorando para este momento desde 2012.

¹foto de Gal Oppido (acervo Virgínia Rosa)

 
Marcelo Teixeira - A sua relação com Itamar Assumpão era muito forte e vibrante e o próprio Itamar deixava a todos no palco inquietos com suas provocações musicais. O que você herdou de Itamar e o que você mais guarda de lembrança dele?

Virgínia Rosa - Tenho uma lembrança muito boa e instigante. Itamar foi um artista genial e extremamente exigente que às vezes era até difícil conviver, mas que me passou essa inquietação boa que nos deixava na corda bamba e nos empurrava para frente a todo momento, não tinha acomodação. Tudo era novidade pra mim naquele tempo, a estética musical muito diferente  do que eu já tinha ouvido, as pessoas... Mas como papai em casa já me mostrava coisas novas como os Secos & Molhados, The Beatles e etc, essa curiosidade e abertura para o novo já começava no meu lar através  do Sr. João, quando recebi o convite para estar na Banda Isca de Polícia. Aceitei, mesmo não sabendo muito bem onde chegaria com esse novo som. Meu pai me disse: Vá, minha filha, quem sabe abrem umas portas para você? E eu fui!

MT -  Em Cartola – O Mundo é Um Moínho (2016), você interpretou  um ícone dos bastidores do samba e foi uma responsabilidade enorme,  que te trouxe o grande reconhecimento do público e da mídia. Como foi a sensação de poder ser Dona Zica no teatro?

VR - Foi um presente, um convite, uma oportunidade de mergulhar em um personagem que existiu e que traz em sua trajetória de vida toda a força de superação, ternura e amor ao ser humano, à vida! A construção da minha Dona Zica não existiria sem as indicações generosas de sua neta Nilcemar Nogueira, toda cumplicidade com Flavio Bauraqui e a confiança de Roberto Lage e Jô Santana que viram em mim essa possibilidade. No mais segui a minha intuição pedindo licença à Dona Zica e que ela me abençoasse.

MT – Você fez uma linda homenagem à Clara Nunes no disco Virginia Rosa Canta Clara (2015). De onde veio a inspiração para poder homenagear uma das maiores cantoras do Brasil?

VR - Ouvi Clara Nunes dentro do meu lar, minha mãe já cantarolava. Depois já cantora profissional, precisamente em 2004, participei de um show em homenagem aos ABC do samba, Alcione, Bete Carvalho e Clara Nunes juntamente com outras cantoras. Nesse show escolhi  6 canções do repertório da Clara, entre elas Canto das Três Raças e cantando essas músicas e especialmente o CANTO DAS TRÊS RAÇAS me comoveu muito e também percebi a emoção tomar conta da plateia. E essa emoção me levou a um lugar que eu nunca tinha estado antes que é o encontro com a nossa ancestralidade e essa sensação me levou à vontade de cantar mais Clara, conhecer mais o seu repertório e sobre ela. Daí comecei a fazer os shows por São Paulo e algumas outras cidades. Como era um show já pronto fui propor um circuito de shows pelo SESC e como resposta recebi um convite através do professor Danilo Miranda para gravar um CD sobre esse trabalho para minha surpresa.

 MT   Um disco?

VR - Canção do Amor Demais    (Elizeth Cardoso)

MT – Um cantor e uma cantora.

VR - Luiz Melodia e Concha Buika.

MT  Quais foram suas influências musicais?

VR – Muitas. Vou citar algumas cantoras que passearam por mim, entre elas: Clara Nunes, Elizeth Cardoso, Elis Regina, Edith Piaf, Clementina de Jesus, Maria Callas, Billie Holiday, Meredith Monk, Laurie Anderson, Marisa Monte, Cássia Eller, Amália Rodrigues, Madonna e assim vai... Quanto aos músicos, as influências foram Astor Piazzolla e Bill Evans.

MT – Vírginia Rosa por Vírginia Rosa.

VR - Uma pessoa em busca. Inquieta e calma ao mesmo tempo. E essa busca é algo que dê sentido a nossa existência tão efêmera e o que podemos fazer para valer o tempo que passamos nesse mundo. Busco isso no meu dia-a dia e através da minha arte. Essa sou seu.

MT – O que te inspira a cantar?

VR - Uma vontade enorme de fazer uma coisa bonita, no caso, cantar e ver a reação de prazer que isso me causa e também nas pessoas que me ouvem. A emoção sempre está nos meus shows e isso é transformador para mim e para a platéia.

MT – Televisão, teatro, música... o que podemos esperar de Virginia Rosa para 2017?

VR - Ainda não sei, mas estou aí, viva e atenta aos sinais e convites que possam vir (risos) Concreto: A temporada do musical Cartola no Rio de janeiro entre março, abril e maio e  devemos fazer algumas capitais também. Continuarei a fazer shows de lançamento do CD Virgínia Rosa Canta Clara pelos SESCs, os projetos especias também devem continuar, Palavra de Mulher, Na Batucada da Vida... E começarei a trabalhar o novo disco.

MT - Música é...?

VR - Um bálsamo para humanidade.


O Mais Cultura Brasileira e eu, ensaísta e crítico musical deste blog, assim como os inúmeros leitores, agradecemos à você, Virgínia, por este momento único. Muito obrigado e sucesso sempre!


Entrevista com Virgínia Rosa
Por Marcelo Teixeira

 

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Por que devemos ouvir Virgínia Rosa?

Virgínia Rosa: uma voz espetacular
A elegância, a sofisticação, a naturalidade de sua voz e o respeito para com seu público são marcas registradas da cantora e atriz Virgínia Rosa, que acabou de fazer uma das temporadas teatrais mais emocionante do ano ao interpretar Dona Zica em Cartola – O Mundo é um Moinho, no teatro Sérgio Cardoso, fora a sua magistral interpretação em Palavras de Mulher, ao lado de Lucinha Lins e Tânia Alves, que rodou o Brasil inteiro cantando as músicas de Chico Buarque. Os resquísitos básicos de uma grande diva da música são estes citados acima, mas para Virgínia é preciso muito mais adjetivos para poder contempletá-la. As nuances de sua voz assim como as possibilidades de perfeição que alcança com as notas lançadas dão o frescor de sua garra como cantora e nos levam ao delírio máximo de êxtase absoluto. Enquanto os elementos mais alienados da música popular brasileira usam de todos os meios possíveis para se promover e agir, a cantora segue por uma linha que beira a bonança e o triunfo por chegar em um momento sublime da carreira sem desprezar ninguém. Virgínia trabalhou com Itamar Assumpção, o louco maldito da música vanguarda dos anos 1980 e desse experimento surgiu uma mulher completa na cultura brasileira, sendo capaz de nos hipnotizar com seu carisma e nos brindar com sua categoria postural e brilhante.  Virgínia canta com emoção, com sentimento, alma e são essas energias que a fazem brilhar cada dia mais. A questão da música popular brasileira vir sofrendo uma dependência quimíca abstrata nos tempos atuais faz com que a qualidade musical seja cada vez mais banida de uma esfera de categoria que engloba a resolução de uma resposta imediata para a massa que necessita ouvir boas coisas, mas Virgínia impera absoluta neste campo e consegue transmitir seu recado sem a necessidade de se perder ou se expor de forma contrária. É preciso ouvir Virgínia Rosa porque ela representa a alma lírica da música popular, traduzindo sua fidelidade e comunicação com o povo brasileiro, pois quem a ouve entende perfeitamente sua química, seu encantamento, sua beleza e seu resultado gratificante. Ouçamos mais Virgínia Rosa pela astúcia de seu trabalho, pelo vigor de sua responsabilidade cultural, pelo seu talento descomunal e pela conservação de seu canto. Ouçamos Virgínia Rosa pela densidade de sua categoria exemplar, pela fibra que carrega, pela disposição de seu carinho. Ouçamos Virgínia Rosa e isso será um ato de respeito à nossa própria cultura.
 

Por que devemos ouvir Virgínia Rosa?
Por Marcelo Teixeira

sábado, 5 de novembro de 2016

Remonta desmonta Liniker e remonta o mesmo


Remonta: disco perfeitinho
Ainda catalisado pelo excelente disco Remonta (2016 / Independente / 29,99), Remonta é um desses discos que te pegam de surpresa no meio do ano e entra sem pedir licença em nossas vidas. Liniker é um cantor provocativo e o álbum veio coroar um processo feito entre ele, sua banda e seus fãs, que ganham um belo presente para degustação sem pressa para se chegar a um final.  A entrada de 25 segundos da primeira faixa já dá o recado: o ouvinte entrará em uma viagem musical completa, que será responsável por apresentar todas as influências de Liniker misturadas à liberdade de produção, sem rótulos. Remonta, a segunda música do disco, cumpre o seu propósito de dar nome ao álbum e resume muito bem tudo o que será mostrado a seguir. O início acapella é inacreditavelmente ilusionista e ganha sonoridade instrumental surpreendente. Prendedor de Varal, em parceria com Xênia França, é mais dançante e nos lembra os áureos tempos da música negra brasileira nos anos 90 e 2000. Tua, também com Tássia Reis, é o contraponto introspectivo da música anterior. Sem Nome, Mas Com Endereço nos transporta para a cultura do sertão; algo impensável, mas admirável. O resultado é poderoso, mesmo que a letra verse sobre alguém se encontrando, e encontrando o amor. Talvez a maior surpresa de todos seja Você Fez Merda, um bolero com lembranças escancaradas de Tim Maia: mais uma mistura espetacular pensada por Liniker e sua equipe. É um bolero moderno, com elementos sonoros eletrônicos que não interferem em nada na música, mas a complementa de forma primorosa. Você Fez Merda é a personificação do Liniker divertido. Quem já foi a um show do artista sabe bem o que é isso: o cantor é poderoso e sempre deixa clara a sua luta pela representatividade, falando sério com seu público. Mas existem muitos momentos de brincadeira, mais leves, e que deixam o Liniker visceral descansando um pouco. Esse vai e vem de emoções é uma das marcas registradas das apresentações do músico. Fechando o disco, temos Ralador de Pia, uma música em parceria com Assucena Assucena e Raquel Virgínia (ambas de As Bahias e a Cozinha Mineira), além da grandiosa Tulipa Ruiz. A canção é daquelas que a gente imagina os quatro cantando na sala de casa, em alguma reunião com amigos. Incrível! Imperdível! Sensacional!

 

Remonta (2016) / Liniker
Nota 10
Marcelo Teixeira

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Cinco anos de Mais Cultura Brasileira!


Cinco anos de MCB
Chegar ao seu quinto ano, neste mês de Novembro, sem um patrocínio, sem verbas e divulgando música por puro prazer é poder dizer que cheguei ao quinto ano fazendo aquilo que mais gosto: divulgar a cultura musical diversificada no Brasil. Criticar música não é uma tarefa fácil, exige compenetração, compromisso, determinação, horas e horas de audição de apenas uma música, saber separar o pessoal do profissional (muitas vezes um cantor não me agrada, mas sua música sim) e exige, acima de qualquer coisa, uma responsabilidade enorme diante inúmeros leitores. Nesses cinco anos recebi diversos emails de vários lugares do mundo de pessoas dando sugestões, pedindo críticas resenhadas, me agradecendo, me ofendendo, mas o que acho mais legal nisso tudo é a diversificação cultural que cada pessoa carrega dentro de si. Uma das coisas que mais aprendi com o Mais Cultura Brasileira e com a arte de criticar foi  saber respeitar o outro e esse lado humanizado de minha parte se deve e muito à Pedagogia (curso na qual escolhi para aprimorar meus conceitos éticos, cujo ainda estou aprimorando conhecimentos) e às pessoas que circundam minha vida me trazendo um pouco de sobriedade intelectual sobre o que pode ser melhorado aqui e ali. Completo cinco anos de blog com a mesma alegria do primeiro ano, do segundo, do terceiro e do quarto, em que cada ano era uma festa diferente: agora a festa pode ser compactuada formalmente, pois graças à você é que cheguei aqui, mudando meus conceitos sobre a teoria da crítica resenhada, utilizando palavras mais rebuscadas, buscando pelo novo, buscando novas formas de conhecer novos cantores, novos becos, novos guetos, novos ares. Escrever sobre música é um privilégio que não se resume apenas à ouvir sobre música: é preciso entender um pouco sobre ambas as coisas, sobre o universo particular e perpendicular do cantor ou da cantora, é ser humilde em solicitar uma entrevista e ser dinâmico em dizer não também. Nesses cinco anos de Mais Cultura Brasileira conheci cantores maravilhosos, pessoas maravilhosas e que se tornaram amigas. Mas quem me conhece sabe que não sou de badalação, de ficar indo aos shows diretamente, de estar na primeira fila VIP de cantor tal. Vou quando estou disposto e quando quero. O crítico de música não precisa, necessariamente, estar ali para ser visto. O crítico de música precisa estar atrás dos holofotes, por detrás das suas próprias palavras escritas, afinal, o mais importante em nosso trabalho é a divulgação do trabalho do outro e não necessariamente o nosso. O que fazemos é divulgar a cultura concomitantemente alheio ao serviço de bel-prazer. É um orgulho poder chegar à cinco anos de Mais Cultura Brasileira e orgulho maior ainda é estar sempre no meu mesmo devido lugar sem humilhar outros profissionais, sem deteriorar o trabalho do outro e sim, aprender com eles.

 
Cinco anos de Mais Cultura Brasileira
Por Marcelo Teixeira

sábado, 22 de outubro de 2016

Cala a boca, João!


Voz e Violão: excelente
Há quem o odeie e há os que o ama! Há também aqueles que ficam neutros quando o assunto é João Gilberto, um ícone da Bossa Nova e um dos pais do movimento que inspirou as pessoas a cantarem em ritmo mais lento e tendo como companheiros um banquinho e um violão. Não é fácil ser João, um gênio da música popular brasileira que hoje vive mais recluso do que nunca em seu apartamento, nos Estados Unidos. Obviamente que Cala a Boca, João (título deste artigo) foi uma referência à música de Dorival Caymmi, Cala a Boca, Menino (1973), pois João é um típico cantor que odeia berros, sobressaltos, devaneios e qualquer coisa que o deixa atormentado.  Com o surgimento de Chega de Saudade a reviravolta na música brasileira se fez presente e a revolução musical foi uma constante. A influência notória de João Gilberto foi fundamental para todo esse universo novo e para a posteridade, pois fora através dele que surgiram Chico Buarque, Caetano, Gil, Nara Leão, João Bosco e os mais atuais, como Fernanda Takai, Ná Ozzetti e outros. Para todos os efeitos, Voz e Violão (2000 / 27,90) é um disco que merece atenção por ser um disco não apenas de coletâneas, mas por ser um álbum em que contempla a importância de um grande catalisador da música ainda vivo. O que não dá para entender é como as gerações após 1960 não conseguem compreender ou encaixar João Gilberto dentro de um contexto musical ou intelectual e nem ao menos dão o seu devido valor, mesmo os grandes críticos de música saberem disso. Esse descontentamento para com ele entristece aqueles que gostam de sua música e fazem com que a geração que nasceu com Voz e Violão o desconhece. Vale a pena ouvir suas músicas, ler livros que falem sobre o cantor e estarem por dentro de sua musicalidade irretocavelmente perfeita!

 

Voz e Violão (2000) / João Gilberto
Nota 10
Marcelo Teixeira

domingo, 16 de outubro de 2016

Cartola - O Musical: emoção à flor da pele

Cartola e Zica: muito samba
Chega a ser difícil segurar a emoção e conter as lágrimas quando vemos Cartola (1908 – 1980) e Dona Zica (1903 – 2003) bem de frente para nós, com suas roupas de outrora, seus passos envelhecidos, seus trejeitos amadurecidos e suas histórias de vida sendo muito bem representados pelos atores e cantores Flávio Bauraqui (perfeito, impecável, espetacular) e Virgínia Rosa (linda, esplêndida, maravilhosa). É impressionante a dramatização que o musical Cartola – O Mundo é um Moinho¹ transpassa para o público que lotou o Teatro Sérgio Cardoso neste sábado, 15 de outubro: com uma sincronização perfeita, elenco afiado e texto primoroso, todos ali presentes estavam ansiosos pela próxima cena, que era muito bem narrada pelo ator, cantor e escritor Hugo Germano (um banho de interpretação). O público estava fervilhando de emoção com cada música cantada, com cada movimento no palco, mas o momento mais esperado era o encontro entre Cartola e Dona Zica. E isso acontece, óbvio, mas para chegar nesse período sublime (e real) é preciso contar toda a trajetória do cantor e compositor carioca, que preferia o morro do que a comodidade de um lar digno de reis e marajás. O musical não deixa a desejar em nenhuma ocasião e a plateia fica tão extasiada, que as palmas eclodem o lotado teatro a todo instante. Que perfeito casal de atores! Flávio e Virgínia estão em um momento espetacular, tendo em vista que há tantos musicais importantes na cidade que já foram produzidos e que estão em fase de produção.  Com idealização do ator e produtor Jô Santana, dramaturgia de Artur Xexéo, direção e encenação de Roberto Lage, pesquisa detalhada da neta do homenageado, Nilcemar Nogueira (que também é diretora do Museu do Samba no Rio de Janeiro) e direção musical de Rildo Hora, Cartola - O Mundo é um Moinho conta a trajetória de um dos maiores nomes do samba, cujo fora o fundador de uma das escolas mais antigas e com toda a certeza a mais popular: Estação Primeira de Mangueira. Vá agora assistir ao musical, porque é uma obra-prima! Mas leve um lencinho, porque você vai se emocionar do começo ao fim. Chegando ao final do espetáculo é preciso parar para uma reflexão: na última cena, em que Cartola e Dona Zica fincam seus nomes no samba e com uma alegria insana, é possível dizer que eles estavam de fato presentes ali no teatro. Vírginia cresce virginosamente no final do primeiro ato para o início do segundo e consegue colocar nos eixos a vida de Cartola e a sua música perene.  É inconcebível reconhecer os atores como eles mesmos, pois a caracterização de todos é tão impactante, que chega a beirar a perfeição com tantos detalhes importantes. Vale destacar também a bela apresentação de Adriana Lessa (sem palavras, grande atriz, excepcional artista), Edu Silva e seu magistral Carlos CachaçaSilvetty Montilla (divina em um papel feito exclusivamente para ela), que nos deram momentos de risos deslubrantes. Destaque para Augusto Pompêo, que interpretou o pai de Cartola, nos dando um banho de intepretação, André Muato que ironizou Nelson Cavaquinho, Paulo Américo com seu vozeirão magnífico dando voz também ao Zé Ketti, Lu Fogaça e sua Nara Leão bem tímida e perfeitinha e Gabriel Vicente, que conseguiu captar detalhes homéricos de Francisco Alves. Palmas esfuziantes para os astros da noite: Flávio Bauraqui e Virgínia Rosa e seus talentos extraordinários! Viva Cartola!
¹A peça fica em cartaz até o dia 31/10/2016
Elenco: Flávio Bauraqui, Vírginia Rosa, Adriana Lessa, Hugo Germano, Augusto Pompêo, Ivan de Almeida, Silvetty Montilla, Edu Silva, Renata Vilela, Larissa Noel, Lu Fogaça, Andrea Cavalheiro, Grazzi Brasil, Flávia Saolli, Paulo Américo, Gabriel Vicente, Rodrigo Fernando e André Muato.
Serviços:
Teatro Sérgio Cardoso (Rua Rui Barbosa, 153 – Bela Vista
Temporada: de 11 de setembro a 31 de outubro
Horário: As sextas, 20h; sábados às 21h, domingos às 18h e segundas, às 20h.
Classificação etária: 12 anos
Duração: Duas horas e meia
Ingressos: De R$ 30,00 a R$ 120,00
Vendas: ingressorapido.com.br

 

Cartola – O Mundo é um Moinho
Nota 10
Por Marcelo Teixeira

sábado, 8 de outubro de 2016

Daniela Mercury: do axé à MPB


Daniela: rainha da axé
Sempre digo que a música baiana é dividida em blocos importantes: a primeira retrata a música de Dorival Caymm e Assis Valente, o segundo bloco é representado pela onda de baianidade intelectualizada formada por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia, Baby do Brasil, Moraes Moreira e outros e o terceiro e mais importante bloco é representado apenas por uma única mulher, que revolucionou a música com três palavras determinantes: ginga, energia e determinação. A década de 1990 foi marcada pela geração de Daniela Mercury, que conseguiu uma legião de fãs por todo o Brasil com sua voz, sua dança, seu balé, sua sofisticação e seu axé. Estávamos saindo de uma onda roqueira, embalada por roqueiros e bandas com alguma simpatia cordial e estavámos enojados com o pagode brejeiro de grupos multifacetados que aspiravam a demagogia do riso forçado, que caminhava lado a lado com as duplas sertanejas que ascendiam lareiras fervilhantes, mas que nada se comparava aos mitos Chitãozinho e Xororó. As únicas cantoras que estavam no posto de donas da vez eram díspares em suas camadas musicais, sendo elas Marina Lima no rock e Daniela Mercury no chamado axé, pois Marisa Monte, que vinha de um disco maravilhoso de 1988 e Adriana Calcanhotto, que receberia as glórias em 1990, duelavam entre si pelo posto mais alto da música, mas o caminho de Daniela estava livre para mostrar o seu talento e, de quebra, aquilo que ninguém até então tinha ouvido cantar, falar e comentar. Ao longe e timidamente, cantoras do naipe de Cássia Eller, Zélia Duncan, Fernanda Abreu apareciam aqui ou ali em apresentações medianas. Mas 1991 foi um divisor de águas na carreira meteórica de Daniela Mercury, que nesta altura já tinha desistido de ser bailarina para se tornar a maior estrela da música nacional. Arrastou multidões com a música Swing da Cor (1991), que lhe rendeu centenas de shows e lhe valeu a fama de cantora das multidões. De fato, não havia uma cantora nacional com aquela popularidade enorme e Daniela tinha todos os atributos para ser a rainha do axé. Daniela Mercury era um fenômeno por onde passava e o axé tinha uma representante à altura. Com coreografias sensacionais, a cantora deixou seu nome registrado na música nacional como sendo a maior de todos os tempos. Depois de seu sucesso estrondante, artistas do naipe de Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque passaram a reverenciar sua voz, seu canto e seu estilo e a tornaram ainda mais em evidência: era o primeiro passo da cantora no mundo da MPB. A bem da verdade, Daniela já flertava com a música popular brasileira em algumas faixas de seus discos e esse sempre foi o desejo da baiana em ser um dia uma cantora distante do axé. Não que o estilo fosse negativo, mas Daniela sempre almejou ser uma nova Gal Costa, dando a chance de mostrar para outros públicos o quanto sua voz poderia ser privilegiada fora de um contexto elétrico. Com a chegada de Ivete Sangalo e, mais tarde, de Claudia Leite, Daniela deu vazão para o mundo da MPB e foi abandonando aos poucos a axé que um dia lhe consagrou. A mudança não surtiu tanto efeito assim para os fãs ardorosos da cantora, mas Daniela soube usar a inteligência e já havia sacado que se não mudasse de estilo o mais rápido possível, poderia cair no ostracismo. Não foi o que aconteceu: com ótimas releituras e com a voz ainda mais valorizada, Daniela conseguiu respeito e admiração de um público cada vez maior e que conseguia nutrir uma satisfação nada egocêntrica de sua parte. Daniela conseguiu mostrar sua voz para a cidade e realizou o sonho de ser uma menina baiana que um jeito que Deus dá.

 

Daniela Mercury: do axé à MPB
Por Marcelo Teixeira

sábado, 1 de outubro de 2016

A obra, o legado, a decadência e o mito Raul Seixas


Raul: mito do Rock
Raul Seixas morreu em agosto de 1989, derrubado pelos excessos. Deixou músicas que se tornaram hinos à rebeldia e à inconformidade com as coisas caretas do mundo e milhares de fãs desolados. Gente de todos os tipos choraram sua partida, desde ricos, pobres, caminhoneiros, roqueiros, urbanóides, sertanejos e estudantes. Raul não tinha rótulos, embora o rock estivesse em sua veia, mas o cantor passeio pelo baião, pelo samba e pelas baladas, compondo pérolas como Rock das Aranhas, Metamorfose Ambulante, Ouro de Tolo, Al Capone, entre tantas outras maravilhas. Mas o que esperar de um garoto problemático que cresce ouvindo Elvis Presley, Luiz Gonzaga, Chuck Berry e Jackson do Pandeiro? Raul transitava por todas as searas musicais, dizendo que não tinha um título que o rotulasse. Gostava de Genival Lacerda, mas também admirava Cauby Peixoto. Nascido na Bahia em 1945, Raul Seixas gostava mesmo era de intimidar as pessoas com suas tiradas e sacadas geniais. Várias de suas músicas foram censuradas pela Ditadura Militar, algumas foram engavetadas para uma gravação futura, outras tiveram que ter letras trocadas para não serem grampeadas pelo governo. Seu primeiro disco foi lançado em 1986, com o título de Rauzito e os Panteras, pela EMI-Odeon, não sendo um grande sucesso de público e muito menos de crítica. Com tanta desilusão musical, o cantor desfez a banda e voltou aos estudos, no curso de Filosofia. Não tardou muito e o cantor voltou à música, em 1972, inscrevendo-se para o VII Festival Internacional da Canção, classificando aqui duas músicas que se tornariam hinos consagrados: Let me Sing, Let me Sing e Eu Sou Eu, Nicuri é o Diabo. Através dessa classificação sensacional, o cantor e agora compositor reconhecido é contratado pela grande gravadora, a Phillips. Com sua ida à Phillips, Raul deparou-se com um escritor fracassado, metido a bruxo e com um lado místico efervescente: Paulo Coelho, que acreditava em discos voadores e extraterrestres. Através desse encontro, a vida de ambos, cantor e escritor, passa por uma transformação avassaladora: eis a parceria mais importante da música popular brasileira. Em 1973 lança sua mais pura perfeita tradução musical com Ouro de Tolo e a irônica e zombeteira Mosca na Sopa. Perseguido pelos militares em 1974, Raul exila-se nos Estados Unidos e mais uma vez é surpreendido pelo acontecimento histórico e inacreditável: o encontro com o ícone da música americana John Lennon. Volta ao Brasil no mesmo ano e compõe Sociedade Alternativa, O Trem das Sete e Gita, que se transformou em um disco antológico. Mas nem tudo eram flores na vida musical de Raul e, por esse motivo, em 1975 lança Novo Aeon, um disco fraco e que vendeu muito pouco, deixando a todos os empresários cabisbaixos, mas a qualidade desse disco é igual ou melhor que o de 1974. É nesse disco que se encontra um dos maiores selos românticos da obra do cantor: A Maçã. Já em 1977 lança O Dia em que a Terra Parou, compondo ao lado de Cláudio Roberto o hino hippie Maluco Beleza e que, por consequência disso, passa a ser o apelido de Raul. Esse disco passa a ser uma obra-prima também para o próprio Raul, pois Gilberto Gil dá uma canja no violão na música Que Luz é essa? Em 1978 lança Mata Virgem e retoma a parceria com o escritor Paulo Coelho, que estava meio estremecida desde 1975. Deprimido com público e crítica que rejeitaram seu disco Por quem os Sinos Dobram (1979), Raul exagera no consumo de bebidas e drogas, onde passa por várias internações e perde metade do pâncreas em uma cirurgia. Apesar dos problemas pessoais, o cantor volta com carga total e lança um mediano álbum, Abre-te Sésamo (1980), com relíquias como Anos 80 e Rock das Aranhas. Tendo uma boa repercussão por causa desse disco, Raul inicia uma pequena turnê pelo interior de São Paulo, preferindo apresentar-se em cidades pequenas, levando sua arte àqueles que não podiam ir aos seus shows de grandes proporções. Essa iniciativa não deu tão certo assim, embora a crítica o aplaudisse de pé: o cantor era visto bêbado nas padarias, sempre ao lado de um copo. Raras vezes o encontravam com um bloquinho e uma caneta rabiscando alguma música. Desse bloquinho ainda surtiram efeito de luz no fim do túnel e Raul põe no mercado, agora pelo selo Eldorado, o disco Raul Seixas, que conseguiu emplacar Carimbador Maluco e a música infantil Plunct-Plact-Zumm. Já em 1984, o cantor lança Metrô Linha 743, pela Som Livre, que teve uma música censurada: Mamãe Eu Não Queria (Servir o Exército).  Depois desse disco e sendo cada vez mais chamado de Maluco Beleza, Raul passaria por outras gravadoras e isso virou piada entre o meio musical, pois mostrava a já decadência do artista. Porém, em 1987, no disco Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Bém-Bum!, pela Copacabana, nasceu um de seus últimos hinos: a bela Cowboy Fora da Lei. O ano de 1988 não começou bom para o cantor, que vinha se tratando de vários problemas relacionados a álcool e lança um disco mais fraco que o de início de carreira, em 1968 e o de 1979. A Pedra do Gênesis (1988) foi muito mal recebida por todos e Raul decide-se se isolar por completo. Mas graças ao amigo e cantor Marcelo Nova (nesse tempo, Paulo Coelho já estava afastado de Raul), o convence a gravar novamente. O último disco da carreira de Raul chama-se A Panela do Diabo (1989), sendo um convite a sua saída derradeira aos 44 anos de idade e sendo um ícone da música nacional brasileira. O grande legado que Raul Seixas deixa para a música contemporânea é o seu mundo representado por músicas místicas envolvidas por ritmos até então nunca imaginadas juntas.  Raul não fora apenas um cantor que ministrou o baião, o samba e o rock no mesmo palco, mas sim, um grande cantor que estava desenhando o seu mundo imaginário através daquilo que achava justo e correto cantar.

 

O legado de Raul Seixas
Por Marcelo Teixeira