quinta-feira, 30 de abril de 2015

Os haikais de Ná Ozzetti e José Miguel Wisnik em Ná e Zé (2015)


Ná e Zé: 30 anos de música
Uma coisa dentro da música popular brasileira é fato: é muito difícil cantar as músicas de José Miguel Wisnik. Suas letras são densas e com uma carga emocional muito grande, que muitas vezes ficamos tomados pela emoção, pois suas canções não saem de nossas mentes tão facilmente. Repito: as músicas de José Miguel Wisnik não são fáceis. Há um rebuscamento de paisagens abstratas que requer uma atenção mútua na melodia e que faz com que esqueçamos o mundo real lá fora para adentrarmos em um universo wisniquiano repleto de solitude, musicalizado pelo refinamento audacioso de um dos melhores compositores que a MPB ainda precisa (re)descobrir. Mas não precisamos mais esperar tanto, porque a cantora e compositora Ná Ozzetti fez esta audaciosa arte em prol tanto da música brasileira quanto de uma justa homenagem ao criador de obras primas como Mais Simples, O Tapete, Pérolas aos Poucos e Mortal Locura. Ná Ozzetti sempre gravou Zé Miguel em seus discos, desde quando ela ainda pertencia ao Grupo Rumo, nos idos anos de 1980 e dessa amizade de mais de 30 anos, surgiu um disco inteiramente dedicado ao cancioneiro de Miguel Wisnik. De Paulo Leminski, passando por Cacaso e Oswald de Andrade, José Miguel deu o ar de sua graça com as composições mais bonitas de seu cancioneiro e ajudou a aprimorar a finíssima riqueza da música nacional, miscigenando poesia, lirismo, música e a bela voz de Ná. Ná e Zé (2015 / Circus / 32,90) é um disco cantado por Ná Ozzetti e com participações do próprio Zé Miguel em todas as faixas, seja cantando ou em algum instrumento e de Arnaldo Antunes (Noturno do Mangue). Todas as músicas têm uma passagem especial na vida de ambos e regravá-las tem um significado importante para os dois: as músicas cantadas vão de um longo espaço de tempo entre 1978 até 2014. A voz cristalina de Ná Ozzetti ajuda a entender a atmosfera de Wisnik à medida que sua amplitude se mostra em um véu de sentimentalismos aflorados dentro de um segmento rítmico entre a coesão de uma filosofia harmoniosa e um destino que os uniram: a magnitude da música e o virtuosismo da amizade. Dedicar um disco inteiramente a uma amizade é desejo para poucos e refutados amigos que se entendem através da música (ou da batida perfeita) e neste conceito de musicalidade, Ná Ozzetti entende perfeitamente o que Zé Miguel diz em suas letras. Se antes tínhamos Zizi Possi como detentora oficial das obras de Miguel, agora podemos dizer que Miguel herdou mais uma: Ná Ozzetti. Zizi Possi, Mônica Salmaso, Elza Soares, Susana Salles e tantas outras já gravaram parte do cancioneiro de Miguel, sempre com a mesma dramaticidade emocional, seja em músicas divertidas, caso de Bambino, gravada por Elza em Do Cóxxix até o Pescoço (2002) ou em canções mais emblemáticas como Mundo Cruel (Zizi), em que a interpretação foi arrebatadora. Mas Ná tem um apreço maior agora: ela passa a ser em Ná e Zé a intérprete, aquela que canta de uma forma magistral as melodias e pensamentos filosóficos de um dos compositores mais sutis e misteriosos da nossa cultura. Afinal de contas, quem é José Miguel Wisnik? Um homem sem rótulos, um professor de Literatura Brasileira, ensaísta e compositor, amante das palavras complexas. Seu mundo é irreal, mas real dentro de um patamar rigoroso, por onde sua veia artística aflora em um misterioso intricado de palavras cruzadas que formam suas músicas. E quem é Ná Ozzetti? Uma mulher corajosa que canta as músicas de José Miguel Wisnik há muitos anos com muita garra e determinação e que tem uma das melhores vozes do mundo, capaz de nos emocionar com um simples olhar. Uma cantora que merece cantar o que quer por ser simplesmente Ná.  E neste momento, seu mundo é o mundo de Zé. Um mundo de ilusões irrisórias, de amores perdidos, de amizades duradouras, de teologias obscuras, de loucuras, de música. O encontro de Ná e Zé foi a melhor coisa que aconteceu nos últimos anos na música popular brasileira e essa amizade resultaria em um dos discos mais aguardados do ano. Porque Ná é Zé e Zé é Ná.

 

Os haikais de Ná Ozzetti e José Miguel Wisnik em Ná e Zé (2015) / Ná Ozzetti e José Miguel Wisnik
Nota 10
Marcelo Teixeira

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