sábado, 25 de abril de 2015

Chico Buarque em Paratodos (1993)


Chico: para todos
Como define Chico Buarque e Tom Jobim na música Piano na Mangueira, a minha música não é de levantar poeira. Mas como não levantar poeira, se Paratodos (1993 / Sony Music / 29,90) é um clássico na obra de Chico e um dos discos que mais representam a Língua Portuguesa em toda a sua plenitude? A começar com a bela homenagem na abertura do disco e que leva o título do trabalho em relação aos grandes nomes da música popular brasileira de todos os tempos (Chico só não citou Elis Regina e isso é um debate até hoje) e a participação de dois monstros sagrados dividindo os vocais: Tom Jobim (Piano na Mangueira) e Gal Costa (Biscate). Há lirismo e poesia cantada desde a primeira até a última música e a capacidade de Chico inovar nas palavras é incrível, sendo capaz até de dizer poesias duras e fortes e soltar impropérios de insatisfação com toques de sutileza. Paratodos é um dos melhores discos da MPB: na capa, Chico se preocupou em homenagear não somente os ícones da música, mas sim a todas às pessoas, do sertanejo até a idosa carente, passando pelo negro, pelo estudante, pelo pivete, pelo hippie. Levando em conta a sua postura de artista maior nos derradeiros de Paratodos, quando cita que ele é um artista brasileiro, Chico já estava desdenhando dos artistas que duram poucas horas e que passam cinco minutos fazendo fama, para depois sumirem. Paratodos surgiu depois de quatro anos longe do público, pois Chico estava inteiramente dedicado ao livro Estorvo, que se tornaria um grande sucesso de vendas. Compôs bem poucas músicas nesse ínterim, mas o suficiente para se reinventar. Futuros Amantes, que Gal Costa viria a regravar futuramente, é um dos pontos altos do disco, e não apenas porque Chico inseriu nessa letra a palavra pouco e quase nunca pronunciada (escafandristas), mas sim por contar uma linda história de amor entre dois adolescentes que só se reencontrariam e se amariam de verdade no fim da vida. O disco revela a maturidade musical de Chico, o mostrando mais versátil e requintado em algumas melodias e ousado em outras, mas talvez a mais justa homenagem foi a prestada a Tom Jobim na faixa-título. Tom chegou a ouvir emocionado a canção, mas morreria no ano seguinte (1994). O disco trouxe inúmeras pistas sobre o estado empírico de Chico à época, mas talvez a serenidade para com as letras seja a mais coerente para expressar neste artigo, pois se analisarmos bem as canções, veremos um Chico menos político e mais sentimental, mais romântico, como se quisesse resgatar algo que deixara no passado. Chico estava à beira de completar 50 anos quando colocou Paratodos para rodar o mundo. Não estava velho, nem novo, mas estava com o espírito da coisa. Chico Buarque estava com o espírito da música em seu corpo. Vale lembrar que Paratodos surgiu em um momento efervescente no Brasil: massacre na Candelária, onde seis menores de idade e dois maiores foram assassinados por policiais militares; as manifestações contra o então presidente Fernando Collor de Mello criam força e a população vai às ruas com cartazes escrito Fora Collor; e a fuga de PC Farias do Brasil para a Tailândia foram os pontos altos de um Brasil marcado pela corrupção. Tudo isso, Chico Buarque tentou esquecer nas melodias em discos e equaliza tudo em prol da poesia. Até hoje, em uma pesquisa que fiz para fazer este artigo, a música Futuros Amantes é, disparada, a melhor música do álbum e, consequentemente, da carreira do cantor, tanto que Gal Costa a regravou mais tarde, se tornando, mais uma vez, sucesso absoluto. Antes de morrer, Tom Jobim escrevera para Chico num manifesto de felicidade: “A tua homenagem me deixou estarrecido”. Talvez a homenagem mais sensata e real, pois Tom ainda estava vivo para vivenciar este belo tributo. Ainda assim, A foto da capa, música que encerra o disco, provavelmente é uma avaliação autobiográfica de Chico, pois os versos explícitos de um artista como ele próprio está marcado aqui: o retrato do artista quando moço (vejam a capa, lá está Chico Buarque bem moço), se prepara para dar a cara a tapa (encerra a letra). Se a música de Chico não é de levantar poeira, ele está redondamente enganado. Chico Buarque tinha 49 anos de idade quando lançou Paratodos e hoje, estando com 71 anos, sua música empolga, emociona, irrita, causa rebuliço, instiga. E como ele mesmo cita nos versos da faixa-título: estou na estrada há muitos anos / sou um artista brasileiro. Sim, Chico: um artista completo, maduro, brasileiro, para todos.

 

Paratodos (1993) / Chico Buarque
Nota 10
Marcelo Teixeira

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