sábado, 28 de fevereiro de 2015

Pura, de Luciana Oliveira, revela a tradução de uma excelente cantora


Lu Oliveira: beleza pura
Sou apaixonado por cantoras e isso não é novidade para mais ninguém que acompanha o Mais Cultura Brasileira ou me conhece pessoalmente. O ofício de cantora requer uma postura disciplinar, um jeito único de cantar, ter uma bela voz, presença de palco, essencia. Se a cantora tiver todos esses atributos e um pouco mais, ela está no páreo de ser, para mim, ponto crucial para ser pertencente ao meu mundo, à minha música, a minha predileção. E Luciana Oliveira, uma cantora de excelente gabarito, conseguiu preencher todas as lacunas que a música popular brasileira exige e, de quebra, ganhou a minha simpatia e virei seu fã. Não é difícil dizer ou tentar explicar aqui o porque Luciana Oliveira caiu nas minhas graças: o seu canto ecoa dentro de seu coração, pulsa em suas veias e circula facilmente pelo sangue que corre em seu corpo numa ressonância que consegue exprimir a qualidade e a capacidade musical que habita em seu corpo. Luciana Oliveira é, sem sombra de dúvidas, a cantora que faltava no mercado fonográfico ou a cantora que o público seletivo de MPB precisava encontrar. E encontrou. Luciana Oliveira tem axé, tem afoxé, tem samba, tem bossa, tem o canto dos negros cravado na garganta, tem cabelos crespos volumosos e bonitos, tem pulseiras, miçangas, saia rodada, tem voz. A valorização de sua música vêm de raízes antigas e sua peregrinação por estes caminhos seria fatal: a música a fisgou, o público ganhou. Luciana Oliveira é uma cantora que pensa na música do passado e consegue exprimir na contemporaneidade a interpretação precisa para cada canção, sendo ela mesma, autêntica, única, perspicaz e guerreira. Luciana lançou seu segundo CD, intitulado Pura (2013 / 20,70), cujo teve a produção magistral do competente Alê Siqueira e teve uma boa repercussão entre os críticos especializados e pelo público, que soube valorizar o talento desta grande cantora. Com participações mais que especiais de Elza Soares na engraçada Condicionada, a segunda faixa do disco e vale a pena ouvir atentamente a esta faixa pelo simples fato de haver aqui um contraste, um contraponto de vozes entre as duas cantoras. O resultado ficou formidável e é impossível não ouvir a música várias vezes. Luciana solta sua voz doce ao sussurrar Pura (Eduardo Brechó), nos deixando arrepiados da cabeça aos pés e nos envolve a largar os tamancos em Samba em Pliet, de sua autoria. Luciana Oliveira está totalmente pura em um álbum solo, carregado de sonoridades distintas, ritmos negros, hip-hop bem cadenciado, sambas alegres, reggae e outros sons legais, que fica difícil não dizer que Luciana Oliveira é, sem qualquer sombra de resquícios, uma cantora completa.

 

Pura / Luciana Oliveira
Nota 10
Marcelo Teixeira

sábado, 21 de fevereiro de 2015

As esmeraldas de Tiê




As esmeraldas de Tiê
O passarinho está de volta na capa do novo disco de Tiê, que volta mais pop e alegre do que nos dois discos anteriores, nas quais foram classificados por mim como depressivos, outra marca registrada da excelente cantora que tenta afogar suas mágoas em suas canções muito bem compostas. Desilusões à parte, Tiê volta com um dos melhores discos de sua carreira e com participações mais que especiais. Produzido por Adriano Cintra e Jesse Harris, Esmeraldas (2014 / Warner Music / 24,99) foi concebido em São Paulo e Nova York e entre os convidados ilustres estão Guilherme Arantes, cantor e compositor sumido da praça, mas fazendo shows pelo Brasil a fora e o camaleão David Byrne, celebrado entre dez e dez estrelas mundiais. Só pelos dois nomes de pesos, Esmeraldas já ganha pontos subsequentes à carreira de Tiê.  David compartilha com Tiê a saborosa All Around You, que encerra o disco e traduz todo o trabalho de Esmeraldas e pela busca incessante em se distanciar dos trabalhos anteriores, dando uma nova voz ao novo fôlego que a cantora tenta demonstrar, apontando aqui para diversas sonoridades e diversas direções acústicas. De Guilherme Arantes surge a plenitude de saber de toda a astúcia de um grande mestre dos arranjos e pela necessidade de se comunicar entre o som, o público e sua própria voz. Aqui, Tiê e Arantes dividem Máquina de Lavar, deliciosamente pura e inocentemente encantadora. O novo disco de Tiê é uma missiva de novas mensagens contemporâneas e que reforçam o seu amadurecimento e sua confiança na música que canta. Tudo isso evidencia o quanto foi bom (no bom sentido) sofrer no passado com suas desilusões amorosas e a chegada de seus filhos, que confirmaram, talvez, um novo e pleno caminho em busca de uma felicidade incessante. Aqui temos o tradicional regional, batidas que nos remetem aos Beatles, depressão monárquica, revolução musical, modificação vocal, atitudes adultas, fortes apelações ao infinito musical e uma nova e verdadeira Tiê, que conseguiu, definitivamente, sair do chamado nova cantora da MPB.

 
Esmeraldas / Tiê
Nota 10
Marcelo Teixeira

 

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Elis Regina deu samba


Clara e Elis: samba em homenagem
Não foi difícil imaginar quem seria a campeã das escolas de samba de São Paulo no Carnaval 2015. Com um enredo que abordava o legado de Elis Regina para o cancioneiro brasileiro, o hino que marchou pela avenida foi pontuado com citações de suas músicas e de suas conquistas musicais ao lado de amigos mais próximos representados por bonecos gigantes e que simbolizavam a nata da música dos anos dourados da verdadeira musicalidade brasileira e de muita representação sobre a cantora. Maria Rita, Pedro Mariano e João Marcelo estavam todos lá, além, obviamente, do grande coro de artistas, fãs e admiradores do estilo carnavalesco de ser da escola do bairro da Bela Vista. Com toda a pompa, Maria Rita, a filha ilustre de Elis, brilhou mais que a escola toda e deteve, pra mim, o título de Rainha. Maior detentora de títulos do Grupo Especial do Carnaval do Estado, a escola definiu que a grande homenageada seria Elis Regina ainda no início de 2014, com  o título Simplesmente Elis – A fábula de uma voz na transversal do tempo, numa justa homenagem a trajetória de uma das maiores (e não a maior) vozes deste país. Já tenho dito em outros artigos mais sisudos que Elis Regina não é, definitivamente por mim pensado, a maior voz e nem a maior cantora deste país, mesmo tendo discos maravilhosos e com conteúdo excelente, mas temos que colocar na balança o teor e o dissabor desse conteúdo. Elis ainda é um nome que leva multidões à delírios, choros, risos e pensamentos furtivos sobre suas frases de impacto e efeito moral, mas não conseguiu, até hoje, levar o nome do Brasil para fora do Brasil, como fizeram Carmen Miranda (pioneira neste segmento) ou Clara Nunes (que conseguiu ter sucesso em alguns países da África). Mesmo assim, a Vai Vai trouxe para a avenida um samba animado sobre a cantora morta em 1982 com um misto de saudade, aventuras, samba no pé e uma multidão de espectadores entusiasmados. Mas já era esperado que a escola fosse campeã pelo simples fato de algumas semelhanças estarem em evidência: Elis completaria 70 anos este ano (e pode-se esperar um festival de homenagens igualmente fizeram a Clara Nunes e outros setentões que ainda estão vivo) e neste ano completam 33 anos de sua morte. Ainda assim, Elis Regina conseguiu levar para a avenida um punhado de gente bacana, animada, carnavalesca e ávidas pelo título. Mesmo sendo contraditório, a Vai Vai, a preto e branco da Bela Vista ganhou o título. E a madrinha fora Elis Regina, a cantora que se tornou uma das maiores vozes deste Brasil.

 

Elis Regina deu samba
Marcelo Teixeira